Cultura

Obras mais influentes na Europa do sec. XX

No dia 9 de maio de 1950 assinava-se a Declaração de Schuman, que propunha a criação da Comunidade do Carvão e do Aço, considerada o embrião da atual União Europeia. O Dia da Europa, celebrado a 9 de maio, acaba por ser a comemoração deste pacto, considerado um dos mais marcantes na história política e social da civilização europeia.

Barbara Tuchman, escritora e historiadora, disse: “Os livros são os veículos da civilização. Sem livros, a História é silenciosa, a literatura é muda, a ciência aleijada, o pensamento e o raciocínio paralíticos” (via Goodreads). Para que a História não se cale e a literatura continue a conversar connosco, destacamos algumas das obras europeias mais influentes que o mundo conheceu no século XX. As suas histórias e a mensagem que transmitem mantêm-se como uma importante referência para compreender o passado e o presente.

O PROCESSO (1925), FRANZ KAFKA | REPÚBLICA CHECA
Publicado postumamente, a obra foi originalmente escrita em 1914 e considerada uma das mais importantes do século XX. Joseph K., um bem-sucedido gerente bancário, vê a sua vida mudar drasticamente quando três homens entram no seu quarto para o prenderem. Não sabe quem o mandou prender nem de que é acusado — sabe apenas que está envolvido num processo obscuro e absurdo que o leva a percorrer as secretarias labirínticas, onde decorre a instrução, conduzida por juízes menores, cuja única incumbência é inquiri-lo.

Há várias interpretações para a mensagem que Kafka quis transmitir em O Processo: um conto existencialista, uma parábola ou até mesmo a de uma profecia sobre os excessos da burocracia moderna, de mãos dadas com a loucura do totalitarismo. Independentemente do seu significado, a história de Joseph K. reflectiu-se na vida das gerações mais novas, ficando para sempre marcada como uma verdade (cada vez mais) atual.

1984 (1949), DE GEORGE ORWELL | INGLATERRA
O autor inglês sempre assumiu o seu desprezo pelo totalitarismo e a urgência que os partidos políticos pareciam ter em controlar a população, algo que se sentiu um pouco por toda a Europa a meio do século XX. 1984 acaba por ser um reflexo dos medos de Orwell, caso os impulsos do governo tivessem espaço e poder suficientes para crescerem.

O enredo passa-se no ano de 1984, numa civilização destruída pela guerra, conflitos e revoluções. Winston é um funcionário no Ministério da Verdade, responsável por alterar documentos históricos a partir da verdade escolhida pelo Governo. Estamos no meio da Oceânia, um dos três super-estados totalitários que controlam o mundo, dominado pelo líder misterioso Big Brother. Há vigilância constante, através do uso de telescreens, um sistema de comunicação obrigatório em todas as casas, e todos aqueles que não se conformam ao regime desaparecem sem deixar rasto. No Quarto 101, aprendemos com Winston que todos os homens têm os seus limites.

ULISSES (1922), JAMES JOYCE | IRLANDA
Num paralelismo moderno inconfundível com a Odisseia de Homero, T. S. Eliot afirmou que a obra de James Joyce é um livro ao qual devemos muito e “do qual nenhum de nós consegue escapar”. O autor irlandês, através de Ulisses, rompe com a ficção oitocentista e escreve como nenhum outro escritor o fizera até então. Cada capítulo é diferente do anterior, numa multiplicidade de estilos e linguagens que tornam esta obra única, revolucionária e que justificam os sete anos que demorou a ser concluída.

A história que seguimos é a de Leopold Bloom, um homem vulgar, e seguimo-la numa janela temporal que decorre num único dia, a 16 de junho de 1904, em Dublin. Para Jorge Vaz de Carvalho, tradutor do livro, a comparação desta “a epopeia de um quotidiano banal” com a obra de Homero é incontornável.

O ESTRANGEIRO (1942), ALBERT CAMUS | FRANÇA
O autor franco-argelino transportou para a sua obra uma forma de explorar o absurdo, um conceito central na sua escrita e a base do modo como lida com o significado da vida. Camus escreveu O Estrangeiro envolto em tragédia e sofrimento; o seu pai tinha morrido na Primeira Grande Guerra, pelo que o desdobrar da Segunda Guerra Mundial fez com que questionasse tudo, inclusive a sua própria existência.

Mersault, francês a viver na Algéria, recebe um telegrama. A mãe morreu. De regresso a casa, após o funeral, faz amizade com um vizinho de práticas duvidosas, reencontra uma antiga colega de trabalho com quem se envolve e vai à praia. Até que ocorre um homicídio. É aqui que entra em cena o absurdo de Camus, ao jogar com o destino de um homem e desafiando-nos a nós, leitores, a ignorar o significado da nossa existência e, em vez disso, aceitar o que a vida tem para nos oferecer.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (1995), DE JOSÉ SARAMAGO | PORTUGAL
A cegueira é o ponto fulcral a partir do qual se desenrola a narrativa. Uma epidemia que se propaga, de forma alarmante, por todos, acabando por revelar o pior da humanidade. Com medo de uma possível contaminação, o governo coloca os contaminados em quarentena, num hospital abandonado. Assim começa uma viagem, sem retorno, aos piores impulsos do Homem, expondo as suas fraquezas e abrindo espaço para um mundo de renovada esperança no meio do caos e da miséria.

Para tecer esta que é considerada uma das melhores obras europeias de sempre, José Saramago inspirou-se nas desumanas prisões que existiam em Portugal, na altura em que António de Oliveira Salazar, ditador fascista, governou o país. Numa entrevista, o autor apelida o hospital abandonado de “solução final”, que nos remete para o plano de Hitler, para exterminar os Judeus.

Artigo original: Bertrand Livreiros

» Bertrand
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