Cultura

E se Shakespeare fosse uma mulher?

Francis Bacon, Christopher Marlowe e Edward de Vere, 17.º Conde de Oxford. O que têm estes três nomes em comum? Todos foram apontados como a verdadeira identidade de William Shakespeare. Mas e se o dramaturgo mais influente do mundo fosse, na realidade, uma mulher?

O cepticismo em torno da identidade de Shakespeare já não é propriamente novidade. Desde académicos a advogados, passando por atores, professores, juízes e até alguns escritores – como Walt Whitman, Mark Twain, Henry James ou Sigmund Freud -, muitas são as personalidades que defendem que William Shakespeare não é, muito provavelmente, o autor das suas obras.

Apesar de a sua vida estar documentada de forma notável, para os critérios da época, não há registos que o apontem como escritor. Existem mais de 70 documentos que confirmam que Shakespeare foi ator, investidor numa companhia de teatro e prestamista. Os arquivos chegam ainda a comprovar que fugiu aos impostos, que foi multado por armazenar comida numa época de escassez e, inclusive, que foi sujeito a uma ordem de restrição. O que continua a faltar é qualquer indício daquilo que Shakespeare alegadamente escrevia.

A jornalista Elizabeth Winkler, através do jornal online The Atlantic, lançou agora uma nova teoria de que William Shakespeare poderá ter sido, afinal, uma mulher.

No artigo, publicado no início de junho, Winkler menciona a importância que as personagens femininas tiveram na sua leitura de Shakespeare. Na comédia Much Ado About Nothing, Beatrice mostra-se enfurecida com as limitações do seu sexo (“O God, that I were a man! I would eat his heart in the marketplace”).

Kate, em The Taming of the Shrew, recusa-se a ser silenciada pelo marido (“My tongue will tell the anger of my heart, / Or else my heart concealing it will break”). Ou Emilia, numa das suas últimas falas em Othello, argumenta a favor da igualdade de género. (“Let husbands know / Their wives have sense like them”).

John Ruskin afirmara, no século XIX: “Shakespeare não tem heróis – só heroínas“. Terá isto algum peso na verdadeira identidade de um dramaturgo envolto em mistério?

Emilia Bassano, a candidata perfeita
Em 1593, Gabriel Harvey, escritor e poeta inglês, refere nos seus textos uma notável mulher de boas famílias, que escreveu três sonetos e uma comédia, recusando-se a oferecer uma descrição mais detalhada. Relativamente ao trabalho desta mulher-mistério, no entanto, Harvey considera ser imortal. Simultaneamente, foi em 1593 que apareceu pela primeira vez o nome de Shakespeare, no poema “Venus e Adonis”. Coincidência? Ou a prova que faltava?

Elizabeth Winkler teoriza que esta mulher misteriosa, descrita por Harvey, pode ter sido a verdadeira autora das obras de Shakespeare. Ainda que as candidatas sejam várias, a jornalista inclina-se mais para Emilia Bassano, uma das primeiras mulheres a publicar poesia em Inglaterra e já associada a Shakespeare como sendo a sua “Dark Lady”, mencionada nos seus sonetos.

Já John Hudson, historiador inglês, foi em busca da verdadeira história desta mulher e descobriu uma série de factos que ajudam a acreditar nesta teoria de que Shakespeare e Bassano podem ser, de facto, a mesma pessoa.

Na sua adolescência, Emilia tornou-se amante de Henry Carey, Lord Hunsdon, mestre de entretenimento na corte e patrono da companhia de teatro de Shakespeare. “Ela viveu em diferentes mundos sociais”, sustenta o historiador, acabando por englobar características absolutamente shakespearianas – desde referências mais grosseiras, típicas de uma classe inferior, ao conhecimento íntimo que parecia ter da corte, passando pela herança italiana e as alusões à música – a sua família era emigrante, oriunda de Veneza, constituída por músicos e fabricantes de instrumentos musicais.

O artigo de Winkler, para a revista The Atlantic, é extenso e procura justificar, de forma sustentada, a associação de Emilia Bessano a William Shakespeare.

A jornalista já obteve uma resposta, do académico James Shapiro, que refuta a ideia de que o emblemático dramaturgo possa ter sido uma mulher.

To be or not to be… That is, indeed, the question!

Artigo original: Bertrand Livreiros

» Bertrand
loja nº 2108, piso 2