Cultura

5 curiosidades sobre Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro há 180 anos. Descendente de escravos negros, era filho de um pintor de paredes e uma lavadeira açoriana. A sombra da escravatura marcou toda a sua vida, já que esta só seria abolida completamente, no Brasil, 49 anos depois do seu nascimento, em 1888. O reflexo dessa sociedade estende-se por toda a sua obra, aliás, denotando, segundo o professor João Oliveira Pace, um conhecimento claro “do desamparo social da época”.

O homem a quem haviam dito que não podia frequentar a universidade, devido à sua ascendência, foi contista, cronista, jornalista, poeta, romancista e dramaturgo. Soube usar aquilo que tinha. para conseguir ser aceite em círculos onde dificilmente alguém com as suas origens entraria.

Em 2019, o escritor brasileiro mantém-se mais atual do que nunca. Harold Bloom chamou-lhe escritor milagre, pela capacidade em ultrapassar o seu tempo e a sua geografia, com as suas circunstâncias sociais, religiosas, políticas e de raça (via Visão). E, para celebrar a sua obra em pleno, partilhamos 5 curiosidades consigo.

1. A relação entre Drummond de Andrade que resultou num poema
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicou, em 1958, o poema “A um bruxo, com amor”, em jeito de declaração de amor à obra do ‘bruxo alusivo e zombeteiro, / que revolves em mim tantos enigmas’. Todavia, esta relação entre os dois poetas nem sempre foi pacífica. Em 1925, quando Drummond tinha apenas 22 anos, publicou um artigo onde acusa Machado de Assis de ser “romancista tão curioso e, ao cabo, tão monótono” e um professor que ‘deveria ser repudiado’.

Esta recusa amadureceu e transformou-se. Aquilo que foi, inicialmente, um repúdio juvenil, depressa se transformou em admiração e respeito, uma trajetória que, segundo o professor Hélio de Seixas Guimarães, “coincide em grande medida com o que Machado significou para o modernismo brasileiro”.

Assim nasceu este bruxo, depressa baptizado Bruxo do Cosme Velho pelas suas magias, desde a Rua Cosme Velho, onde nasceu e cresceu.

2. Tradutor de Edgar Allan Poe, Shakespeare e Dickens
Machado de Assis foi responsável por uma das primeiras traduções portuguesas do conto “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, lado a lado com Fernando Pessoa. No entanto, o escritor brasileiro traduziu muitos outros autores, que acabaram por ter uma enorme importância no seu percurso literário.

Ao todo, foram 48 títulos, dos mais variados géneros – poesia, teatro, ensaio, conto e romance -, de onde se destacam nomes como William Shakespeare, Victor Hugo, Charles Dickens e La Fontaine. Num estudo de 2007, da Universidade Federal de Santa Catarina, é referido que Machado de Assis escolhia propositadamente as obras que pretendia traduzir, algo a que Eliane Ferreira chamou de “mosaico teórico machadiano do traduzir”.

Enquanto as traduções de Shakespeare mostram “uma obediência à moda ou ao cânone literário”, Poe representa uma escolha “por algo mais humilde e próximo à sátira”, enquanto que escritores franceses, como La Fontaine, surgem pelo “moralismo sarcástico, o ritmo prosaico, o tom entre a sentença e a paródia” que Machado tanto apreciava.

3. A caligrafia indecifrável
Em 2017, a Academia Brasileira de Letras disponibilizou os textos originais de três trabalhos de Machado de Assis. Ficou imediatamente comprovado que a caligrafia do escritor era indecifrável, como é possível constatar no poema “O Almada”. A sua escrita era de tal modo ilegível, que o próprio poeta brasileiro tinha dificuldades em entendê-la.

Para além do mais, diz-se que alguns revisores pareciam recusar-se a trabalhar com ele. Quintino Bocaiúva, redator do Diário do Rio de Janeiro, ignorou as reclamações dos revisores, afirmando que só acreditaria se lhe trouxessem um texto escrito por Machado de Assis que ele não conseguisse ler. Perante o referido texto, não só Quintino, mas também o próprio autor, não o conseguiram decifrar.

4. "Boas Noites" e outros pseudónimos
Como já referido, Machado de Assis escreveu artigos para a imprensa. Participou em jornais como A Semana Ilustrada, Jornal das Famílias, Revista da Semana, Correio Mercantil e O Espelho. O que provavelmente não é do conhecimento geral é que quando procurava escrever sobre temas mais polémicos, assinava-os com pseudónimos.

Ao todo, utilizou 21 pseudónimos nos seus trabalhos. Entre os mais populares, destaca-se Boas Noites, que servia como assinatura para as crónicas “Bons Dias!” da Gazeta de Notícias, e através do qual criticou os fazendeiros favoráveis à manutenção da escravidão no Brasil; Dr. Semana, para o A Semana Ilustrada; e Platão, com o qual assinou cinco artigos de críticas a Adelaide Ristori, atriz italiana, pelo Diário do Rio de Janeiro.

5. Previu a doença Folie à Deux
É no conto “O Anjo Rafael” que Machado de Assis mostra conhecimento prévio daquela que viria a ser diagnosticada como a doença folie à deux, que designa duas pessoas, da mesma família ou muito próximas, que partilham os mesmos sintomas psicóticos.

No conto, publicado originalmente para o Jornal das Famílias, em 1869, um homem acredita ser o Anjo Rafael, enviado por Deus à Terra, isolando-se com a sua filha numa fazenda. A filha acaba por enlouquecer também, acreditando que o pai é um anjo. Machado não só descreveu a doença, como acabou por dar também a solução perfeita – afastar a pessoa saudável de quem tem o problema mental.

A doença só foi oficialmente identificada em 1877, pelos franceses Ernest-Charles Lasègue e Jean-Pierre Falret.

Artigo original: Bertrand Livreiros

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