Aos 53 anos, Han Kang tornou-se a primeira mulher asiática e a primeira pessoa na História da Coreia do Sul a receber o Nobel da Literatura. Em 121 laureados, é apenas a 18.ª mulher a ser reconhecida com esta distinção.
Depois de a cultura sul-coreana ter tomado o mundo de assalto em diversas áreas — desde o cinema, com a aclamação de Parasitas, de Bong Joon-ho, passando pela música, com a ascensão do K-pop, ou pela televisão, com o sucesso de séries como Squid Game — chegou a vez da literatura deste país andar nas bocas do mundo. No passado dia 10 de outubro, a Academia Sueca anunciou a atribuição do Nobel da Literatura de 2024 a Han Kang, a primeira sul-coreana a ser distinguida com este prémio, sucedendo assim ao norueguês Jon Fosse.
Nascida em Gwangju, em 1970, a autora revelou-se surpreendida pela notícia, que recebeu enquanto jantava com o filho no seu apartamento em Seul. Tendo começado por escrever poesia e publicado o primeiro romance em 1995, alcançou fama internacional com A Vegetariana e conta já com mais de uma dezena de romances publicados (quatro deles editados em Portugal, pela Dom Quixote). O conjunto da sua obra foi elogiado pela Academia pela sua “prosa poética intensa que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”. Han Kang torna-se assim a 18.ª mulher, num total de 121 laureados, a receber o Nobel da Literatura, ao lado de nomes como Annie Ernaux, Olga Tokarczuk ou Louise Glück. O prémio, com o valor pecuniário de 11 milhões de coroas suecas (o equivalente a cerca de 967 mil euros), será entregue no dia 10 de dezembro.
A obra de Han Kang publicada em Portugal
A Vegetariana (2016)
Originalmente publicado em 2007, o livro mais popular de Han Kang chegou a Portugal no mesmo ano em que venceu o Man Booker International Prize. Dividido em três partes, relata a história de uma mulher que, depois de uma vida inteira de submissão aos homens da sua vida (primeiro, o pai, e depois o marido), decide tornar-se vegetariana. Um ato de rebelião silenciosa, de renúncia à carne — dos animais e do seu próprio corpo —, aliado ao desejo de tornar-se totalmente vegetal e transformar-se numa árvore. Na génese deste romance esteve, segundo a autora, um verso do poeta sul-coreano Yi Sang, que se traduz para: “Creio que os humanos deveriam ser plantas". Na visão de Han Kang, um reflexo da violência de que os animais, incluindo os humanos, são capazes, e à qual o poeta assistiu de perto durante a ocupação japonesa na Coreia do Sul.
Atos Humanos (2017)
O segundo livro de Han Kang a ser editado em Portugal, originalmente publicado em 2014, tem como ponto de partida um episódio trágico da História da Coreia do Sul. O massacre de Gwangju, em 1980, foi uma insurreição popular contra o fecho de universidades e a falta de liberdade de expressão, cuja repressão militar levou à morte e ao desaparecimento de um número indeterminado de pessoas. Han Kang tinha 9 anos na altura e tinha acabado de se mudar para Seul com a família, no entanto as imagens violentas daquele dia na cidade que a viu nascer ficaram consigo para sempre. Em Atos Humanos, dá voz às vítimas desta tragédia — os mortos, os desaparecidos, os presos e torturados, e os sobreviventes que nunca mais conseguiram falar do assunto —, mas também àqueles que, tal como a autora, sabem que a história pode repetir-se a qualquer momento e que é preciso lembrar os atos brutais de que os humanos são capazes.
O Livro Branco (2019)
Publicado pela primeira vez em 2016, O Livro Branco é a obra mais autobiográfica e experimental de Han Kang, e possivelmente, aquele que melhor reflete a sua sensibilidade poética. Tendo como inspiração a morte prematura da sua irmã mais velha, apenas duas horas após o seu nascimento, é uma meditação sobre a cor, que começa com uma simples lista de coisas brancas: a neve, o sal, a espuma das ondas, o papel, o arroz, os cabelos dos velhos, as cobertas em que a mãe da autora embrulhou a filha que nunca iria ver crescer… Refletindo sobre o luto, o renascimento e a tenacidade do espírito humano, é ainda uma investigação sobre a beleza, a fragilidade e a estranheza da vida.
Lições de Grego (2023)
O último livro de Han Kang a ser editado em Portugal antes do anúncio do Nobel volta a quebrar convenções com a sua estrutura em espiral e meditação sobre a linguagem. Originalmente publicado em 2011, Lições de Grego conta a história de um professor de Grego que está a perder a visão e de uma aluna que está a perder a voz. Duas pessoas que se conhecem num momento de angústia privada e que são atraídos um para o outro, levando-os a encontrar uma saída da escuridão para a luz, do silêncio para a expressão. Tão poético como audacioso, é uma reflexão íntima sobre a essência do que significa estar vivo.
Antes do final de 2024, os leitores portugueses terão ainda oportunidade de conhecer mais um romance da nova Nobel da Literatura. A editora Dom Quixote anunciou a publicação de Despedidas Impossíveis, que venceu no ano passado o Prémio Médicis, em França, ex-aequo com Misericórdia, de Lídia Jorge. Focando-se na amizade entre duas mulheres, ao mesmo tempo que aborda um capítulo oculto, e doloroso, da História coreana revela, mais uma vez, a eterna busca de Han Kang de compreender a complexidade e vastidão do espetro humano — capaz de tanta beleza e, ao mesmo tempo, de tantas atrocidades.
Artigo original: Bertrand Livreiros